4. Educação em Direitos Humanos

Natureza, princípios e diretrizes gerais da Educação em Direitos Humanos

Em trabalho anterior (MENDONÇA, 2013), ao refletir sobre as políticas e os desafios da Educação em Direitos Humanos, ressaltei o fato de o PNEDH conceber sua implementação como um processo sistemático. Esse processo, por sua vez, é multidimensional, pois se configura como resultado das reflexões produzidas por diferentes áreas do conhecimento. Portanto, os conhecimentos historicamente construídos sobre os direitos humanos são a base fundamental na qual se assenta o processo de educar em direitos humanos. Da mesma maneira, o alicerce desse processo consiste em um conjunto de valores, atitudes e práticas sociais que expressam uma cultura de paz.

O reconhecimento do papel dos sistemas de Educação Básica e das instituições de Educação Superior como agentes fundamentais na construção de uma cultura de direitos humanos em nosso país foi ressaltado pelo PNDH-3 como um objetivo estratégico a ser alcançado, ao afirmar a necessidade de se estabelecer essa temática para todos os níveis e as modalidades de ensino pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de Diretrizes Nacionais Curriculares. E o fez ressaltando a relação necessária com a promoção do reconhecimento e do respeito às diversidades de gênero, orientação sexual, geracional, étnico-racial, religiosa, isto é, com a educação igualitária, não discriminatória e democrática.

Do mesmo modo, o eixo “Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade”, apresentado na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010, evidenciou a importância que a Educação em Direitos Humanos vem ocupando no cenário educacional brasileiro. Ali também foram debatidas e formuladas diretrizes e ações sobre as temáticas em questão.

O CNE já vinha se posicionando a respeito da relação entre educação e direitos humanos em seus atos normativos, como as Diretrizes Gerais para a Educação Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, para o Ensino Fundamental de nove anos e para o Ensino Médio, bem como em normativas específicas para modalidades da educação como a Educação Indígena, a Educação para Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos Penais, a Educação Especial, a Educação Escolar Quilombola, a Educação Ambiental e a Educação de Jovens e Adultos, entre outras.

As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos foram aprovadas em 2012 por meio do Parecer CNE/CP nº 8/2012 e respectiva Resolução CNE nº 1/2012, adotando como princípios: a dignidade humana, a igualdade de direitos, o reconhecimento e a valorização das diferenças e das diversidades, a laicidade do Estado, a democracia na educação, a transversalidade, a vivência, a globalidade e a sustentabilidade ambiental. Fixou, ainda, como objetivos: a construção de sociedades que valorizem e desenvolvam condições para a garantia da dignidade humana; o reconhecimento pessoal como sujeito de direitos, capaz de exercê-los e promovê-los, ao mesmo tempo em que reconheça e respeite os direitos do outro; o desenvolvimento da sensibilidade ética nas relações interpessoais, em que cada indivíduo seja capaz de perceber o outro em sua condição humana.

Consideraram ainda as Diretrizes Curriculares que a inserção dos conhecimentos concernentes à Educação em Direitos Humanos nos currículos poderá se dar, respeitada a autonomia dos sistemas e das instituições, pela transversalidade de temas tratados interdisciplinarmente, como conteúdo específico de disciplina já existente ou de maneira mista, combinando transversalidade e disciplinaridade15.

No diagrama a seguir, você poderá ver algumas sugestões gerais de como um tema central, no caso os direitos humanos, pode ser trabalhado de maneira transversal tanto dentro das disciplinas quanto em atividades extracurriculares. O esquema permite que você se instrumentalize e se inspire para pensar outras formas de articulação entre temas e disciplinas, e entre temas e atividades extracurriculares. 


Importante ressaltar que, ao considerarmos a transversalidade da Educação em Direitos Humanos, é fundamental que ela ultrapasse os limites das salas de aula, ainda que esses sejam espaços privilegiados para a sua efetivação. Devem seus princípios e objetivos estar presentes na construção dos Projetos Político-Pedagógicos, nos Regimentos Escolares, nos materiais didáticos e pedagógicos, nos processos de gestão democrática e de avaliação, devendo ainda orientar a formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais da educação.

Como se pode observar, a Educação em Direitos Humanos ultrapassa em muito a compreensão restrita de que basta transmitir conhecimentos sobre direitos humanos para que ela aconteça. Não é, também e meramente, um tema guarda-chuva debaixo do qual cabem todas as reflexões que digam respeito aos direitos e aos seres humanos, como a esvaziá-las de seus conteúdos advindos das lutas históricas e sociais aqui já referidas.

Vera Candau (2008), ao refletir sobre as questões pedagógicas da Educação em Direitos Humanos, reforça e explicita a polissemia da expressão, chamando a atenção para a necessidade de que ela não seja confundida ou substituída por outras com sentido mais amplo como “educação cívica”, ou “educação democrática”, ou que a restrinjam a uma “educação em valores”, expressão que não dá conta necessariamente do caráter político de que a Educação em Direitos Humanos é dotada.

Citando os resultados de um seminário organizado pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos em Lima, Peru, a autora reforça três dimensões que devem estar presentes na Educação em Direitos Humanos para que esta não perca a sua especificidade e aponte para a criação de uma cultura de direitos humanos na sociedade. A primeira diz respeito à formação de sujeitos de direitos, nas esferas pessoal e coletiva. A segunda é o favorecimento de processos de empoderamento voltado para atores sociais historicamente excluídos de poder na sociedade. A terceira dimensão se refere aos processos de transformação para a construção de sociedades democráticas e humanas.

A autora insiste, ainda, na importância da escolha de estratégias pedagógicas que favoreçam a efetividade do discurso, praticamente presente em todas as propostas pedagógicas, de que queremos formar pessoas capazes de colaborar com a transformação social, situando-as como sujeitos de direitos. No entanto, esse discurso, em grande parte das situações, não se concretiza porque as estratégias pedagógicas adotadas para alcançá-lo permanecem centradas em exposições verbais, sem estabelecimento de espaços de diálogo.

Esse tipo de estratégias atua fundamentalmente no plano cognitivo, quando muito oferece informações, ideias e conceitos atualizados, mas não leva em consideração as histórias de vida e experiências dos participantes e dificilmente colaboram para a mudança de atitudes, comportamentos e mentalidades. Em geral, no melhor dos casos, propiciam espaços de sensibilização e motivação para as questões de Direitos Humanos, mas seu caráter propriamente formativo é muito frágil. (CANDAU, 2008, p. 291)

Dessas assertivas, pode-se concluir que a Educação em Direitos Humanos, tomada como eixo articulador do currículo, vai muito além de pincelar a aula tradicional com temas que lhe são correspondentes, como a reconstituir a história da conquista dos direitos humanos de forma a considerá-la um processo distante e insondável que a outros pertence. A noção de dignidade humana e da sua inapagável presença em todos os seres humanos deve-se constituir ideia fulcral da organização de todo o processo pedagógico. Trata-se não apenas de construir um processo em que a educação trate dos direitos humanos como tema. Também não basta que se organize um processo pedagógico da educação para os direitos humanos. Está em causa a necessidade de se implantar um processo de Educação em Direitos Humanos, de modo a propiciar, já no processo educativo, experiências em que seja possível vivenciar os direitos humanos e o respeito incondicional à dignidade humana e às suas diversidades.