1. Sobre as vivências da pobreza e os currículos

Currículo e pobreza: limites e possibilidades

Comecemos por aproximar-nos das possibilidades e dos limites inerentes aos currículos de Educação Básica na articulação com as vivências da pobreza. Entendemos que, para que o currículo, síntese3dos conhecimentos e das culturas socialmente produzidos, pense o combate à pobreza, é necessário dar alguns passos. Na seção anterior do texto elencamos indagações sobre pobreza e currículo; agora apresentamos propostas de mudanças nas concepções que temos sobre pobreza e educação que são necessárias para avançarmos em direção à abordagens mais interessantes sobre o tema.

1º. Romper com a concepção moralizante da pobreza - É frequente encontrar análises que falam no “círculo da pobreza”. De acordo com esse entendimento, a pobreza se repete, se alimenta de si mesma, ou está em lentas mutações circulares que deixam os(as) pobres no mesmo lugar, porque continuam sendo pensados como coletivos tradicionais, atolados em valores tradicionais que, na própria cultura pobre, reconstroem as mesmas visões, as mesmas técnicas elementares de sobrevivência, tal como se sua moral fosse insuficiente para o progresso econômico. De acordo com essa visão, essas pessoas permanecem à margem da evolução da sociedade, da ciência, das tecnologias. A lógica do viver dos(as) pobres seria essa repetição, essa permanência, estar num círculo de pobreza fechado à evolução e ao desenvolvimento. A vida cotidiana dos pobres reproduziria esse círculo da pobreza: sobreviver no presente. É preciso romper com essa visão para que alunos e alunas pobres de nossas escolas sejam tratados com dignidade, e sua pobreza compreendida como fruto de relações históricas sociais injustas.

2º. Romper com a concepção hegemônica do conhecimento - A concepção de conhecimento hegemônica nos currículos reforça essa visão circular, fechada, segregadora dos coletivos pobres. Boaventura de Sousa Santos (2009) nos lembra que o conhecimento moderno é abissal, confere à ciência e ao conhecimento o monopólio da distinção entre o verdadeiro e o falso, entre as formas científicas e não científicas de verdade, o que leva à invisibilidade de formas de conhecimento que não se encaixam nessa validade da forma legítima de conhecer: os conhecimentos leigos, plebeus, camponeses, afro-brasileiros ou indígenas são situados no outro lado da verdade, na inverdade. A partir dessa concepção abissal de conhecimento, considera-se que os pobres não produzem conhecimentos válidos, mas apenas reproduzem crenças, opiniões, magias, idolatrias, entendimentos intuitivos ou subjetivos que são incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem aos cânones científicos de verdade. O pensamento moderno, de que os currículos são síntese, acaba por bloquear conhecimentos ou, pelo menos, não trata com a devida atenção os conhecimentos produzidos que podem levar a uma compreensão diferente da pobreza como resultado do círculo repetitivo ao qual nos referimos. Logo, os currículos tendem a ignorar a pobreza, ao desconsiderar os(as) pobres como objeto de conhecimento e de preocupação, tampouco conseguem pensá-los como sujeitos de conhecimento. Analisar detidamente esses bloqueamentos do conhecimento moderno frente à pobreza seria uma precondição para aproximarmo-nos da possível relação entre currículo e pobreza.

Veja no infográfico como se relacionam as indagações que elencamos anteriormente com as propostas de mudanças em nossas concepções sobre educação e pobreza, diante da pergunta "como tratar a questão da pobreza nos currículos?".


Destacado esse percurso, buscamos, nas unidades subsequentes, aprofundar as questões e as assertivas apresentadas até aqui.