2. Desigualdade social, cultura escolar e movimentos sociais

Uma escola que dialogue com o território

Os muros, quase sempre altos e bem reforçados, revelam a (falta de) relação que a escola estabelece com o bairro. Entrar na escola significa, para muitas crianças e muitos(as) jovens, entrar em um outro mundo, com tempos, lógicas e regras bastante diferentes do que estão acostumados(as) a viver, a conviver; com hierarquias, horários rígidos, proibições e castigos; onde o celular, o boné, o grafite e a música são censurados; e onde dançar, rir, correr, brincar é proibido.

Entretanto, os muros também revelam uma forma de olhar para o território, já que eles servem para proteger os(as) alunos(as) dos perigos do bairro, da cidade, a qual é vista como perigosa, ameaçadora, violenta. Um dos grandes méritos da instituição escolar, na visão de muitos pais, educadores e até dos(as) próprios(as) estudantes, é tirar crianças e jovens da rua, principalmente se essa rua for de periferia. Dessa forma, as crianças e os(as) jovens das camadas populares começam a ver, na escola, a imagem de seu bairro ser identificada como um lugar perigoso, frequentado por bandidos, bêbados e drogados. Mais uma vez, é sob o olhar da falta, da carência e da violência que seus territórios são demarcados.

Espaço precarizado da escola.

É possível romper esses muros? É possível abrir a escola para o local ao qual ela pertence? Essa tem sido uma das grandes lutas dos movimentos sociais no Brasil. Abri-la para a vida, ocupar as ruas e as praças das cidades, retomar a dinâmica comunitária de bairros e de pequenas cidades, criar espaços públicos de convivência e socialização para crianças e jovens em todo o Brasil, esses são alguns dos desafios que os movimentos enfrentam nesse processo. O território, na perspectiva de Santos (2005), não é apenas natureza, pois pressupõe também o sentimento de pertença, de identidade. Não há como desvincular nossa história dos lugares em que vivemos, não há como arrancar de nossa identidade os espaços que nos (de)formaram.

A cidade, o campo e a floresta são vistos, assim, como espaços educativos e de aprendizagem para seus sujeitos. Mas o que significa isso? Sabemos que não se trata apenas de sair da escola com alunos e alunas para se ter aula em outro espaço mais “agradável”, ou de fazer uma excursão para depois preencher um questionário ou realizar uma avaliação sobre os temas estudados no passeio. Na perspectiva dos movimentos sociais, a cidade se apresenta como texto a ser lido, como currículo: 

A cidade é uma forma material da cultura; um complexo dispositivo cultural, de onde emergem mensagens, significações, onde são construídas e destruídas experiências, onde se alimentam os relatos, as narrações, onde se formam e transformam as biografias. [...] A cidade é um currículo, território repleto de velhos e novos alfabetismos. [...] Dizer então que a cidade é currículo é dizer que a cidade é produto mas também e mais fundamentalmente é processo, experiência, construção, projeto e possibilidade de subjetivação e produção de saber. (BONAFÉ, 2010, p. 1, tradução nossa)

Territórios educativos

Experiências de ampliação da jornada integral em BH

Indicamos o artigo “Educação Integral, territórios educativos e cidadania: aprendendo com as experiências de ampliação da jornada escolar em Belo Horizonte e Santarém”, escrito pela autora deste módulo. Nele, são analisados os efeitos de novas políticas educacionais adotadas nas cidades de Belo Horizonte e Santarém, respectivamente localizadas nos estados de Minas Gerais e Pará. Além da expansão da jornada escolar, que visava garantir ensino em tempo integral aos alunos e às alunas desses municípios, a autora também se debruça sobre a iniciativa inovadora de algumas instituições de ensino para tornar efetiva uma educação “integrada com os territórios educativos”, isto é, que se proponha romper com os muros da escola e atingir territórios antes inexplorados pela educação formal.

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Heliópolis – Bairro educador

Além de ler o artigo, você também pode assistir ao documentário Heliópolis – Bairro educador, realizado pela prefeitura de São Paulo e pela fundação Padre Anchieta em 2008. O vídeo mostra como moradores de um bairro localizado na periferia da capital paulista conseguem superar o estigma da exclusão social, política e econômica, e transformar suas vivências em ensinamentos extracurriculares.

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Se a cidade é currículo, a participação social passa a ser experiência educativa, carregada de aprendizagens. A circulação de crianças e jovens pelas ruas dos bairros, pelas praças das cidades, pelos rios e pelas florestas trazem novos olhares sobre esses espaços, que passam a ser mais cuidados, mais preservados, tanto pelos adultos como pelo poder público. De outro lado, a presença dessas crianças e desses(as) jovens também revela contradições, dificuldades, problemas da própria cidade que, muitas vezes, não consegue acolher seus cidadãos e suas cidadãs (LEITE, 2013).

A ausência de equipamentos públicos, como centros culturais e teatros, e de transporte gratuito para garantir a circulação de estudantes é exemplo da falta de políticas públicas que impede a cidade de ser educadora. Contudo, a revelação dessa falta de política pública gera uma (re)ação e, então,

[...] a luta por uma cidade que seja educativa passa a ter um sentido real, passa a sair do discurso para ser uma realidade e, aí, há também um processo educativo, um processo de aprendizagem. São os cidadãos buscando retomar o controle sobre os rumos da sua cidade, combatendo a expansão imobiliária sem planejamento, lutando para a construção de espacos públicos de qualidade para as novas gerações. (LEITE, 2013, p. 140)

Os passeios instrutivos, de Francesco Tonucci (1979).

Nesse sentido, podemos fazer algumas indagações: Em nossas escolas, há um reconhecimento de que se deve ocupar os espaços da cidade? Os espaços chamados extraescolares servem apenas de “sala de aula agradável” ou são apropriados com o potencial que têm? Que concepção está por trás da utilização dos espaços da cidade: a utilização como território educativo ou uma forma de se criar aulas mais agradáveis?

A rua é pública

O vídeo A rua é pública (2013), dirigido por Anderson Lima, retrata o dia a dia de crianças do assentamento Eliana Silva – em Belo Horizonte – que, com bola e time, procuram um espaço para jogar futebol.

A partir desse contexto, é possível estabelecer algumas reflexões: Que elementos revelam a dimensão educativa do território e a ausência de políticas públicas nesse local? O que podemos aprender sobre espaço público? Qual o papel das crianças nesse ambiente? Qual deve/pode ser o papel da escola nesse âmbito? Quais semelhanças e diferenças você pode encontrar entre a realidade retratada no vídeo e a do entorno de sua escola? Quais as aprendizagens construídas?

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